A relação entre medicina e tecnologia sempre existiu, mas nunca foi tão intrínseca quanto agora, com a existência de ferramentas inovadoras que permitem melhorar o diagnóstico, o tratamento e os cuidados com os pacientes. Ao mesmo tempo, presenciamos a ascensão da Geração Z (os nascidos entre meados da década de 1990 e 2010), a primeira criada em um mundo completamente digital e conectado.
A chegada dela às instituições de saúde, inevitavelmente, vai ajudar a redefinir algumas práticas graças à afinidade natural e profunda compreensão da tecnologia. Criados na era da internet e acostumados desde cedo com o acesso fácil e rápido à informação, esses médicos estão acostumados a fazer tudo online: buscar e avaliar informações, acessar bancos de dados, ler artigos científicos e ainda se atualizar em plataformas, compartilhando o conteúdo em redes sociais e fóruns com colegas de todo o mundo.
O impacto da nova geração na medicina se torna ainda mais forte quando falamos em diversidade. Segundo o levantamento “Demografia Médica no Brasil 2020”, as mulheres representam 46,6% dos médicos. Ainda notamos um gradativo aumento na participação de pretos e pardos: a USP (Universidade de São Paulo) por exemplo, saiu de 307 alunos em 2018 para 380 em 2019, 447 em 2020, 502 em 2021 até chegar em 572 em 2022.
Quando se tem pessoas diversas fazendo um atendimento, em qualquer segmento, é possível aumentar a empatia. Isso comprova-se quando vemos a pesquisa da Sanofi, de 2023, que concluiu que pessoas negras e de outros grupos raciais, no Brasil, têm 23% de chances de sentirem-se ‘indesejadas’ por um prestador de saúde ou pelo sistema de saúde no geral, contra 18% das pessoas brancas). Já 38% das mulheres relataram ter mais dificuldade em receber orientações adequadas, índice que cai para 30% no sexo masculino.
Além das questões étnicas e de gênero, ainda presenciamos transformações causadas por tecnologias emergentes, como inteligência artificial (IA) generativa, big data e realidade aumentada (RA). Por exemplo, algoritmos de IA estão sendo desenvolvidos para analisar grandes conjuntos de dados de pacientes e auxiliar os médicos na tomada de decisões clínicas. Da mesma forma, a realidade aumentada está sendo utilizada para simular procedimentos cirúrgicos e fornecer treinamento prático virtualmente.
A automatização de muitos processos de atendimento ajuda no diagnóstico, mas também percebemos que há um distanciamento no relacionamento com os pacientes, perdendo um pouco do contato ‘olho no olho’.
Esta nova geração ainda tem a grande chance de aproveitar as novas ferramentas para reforçar a importância da comunicação e do engajamento do paciente com intuito de obter cuidados de saúde eficazes. Estamos, historicamente, acostumados a buscar diagnósticos médicos na internet e se automedicar: segundo pesquisa da CharityRx, um terço da Geração Z consulta o TikTok na busca por conselhos sobre saúde e outros 44% olham o YouTube antes de consultar o médico.
Isto acarreta em efeitos colaterais graves, pois ou o paciente passa a acreditar que tem uma série de problemas que não existem ou ele minimiza o impacto de sua doença. No primeiro caso, haverá uma busca maior do suporte médico, porque todo mundo acha que está muito ruim de saúde. Por outro lado, no segundo caso, as pessoas se automedicam e só buscam o suporte médico quando a doença já está em estágio mais avançado.
A tecnologia permite, de maneira mais fácil, a adoção de uma abordagem centrada no paciente, que fortalece a relação médico-paciente e melhora os resultados de saúde. A divulgação de conteúdos relevantes e informativos através das mídias sociais, dos aplicativos de saúde e outras plataformas digitais pode se tornar o caminho fundamental para aumentar a conscientização dos pacientes, mostrar que o ideal é ter um equilíbrio entre as situações citadas acima, além de fornecer informações sobre condições médicas e promover hábitos saudáveis.
A adoção da telemedicina e da saúde digital, aceleradas pela recente pandemia de Covid-19, reforçou a importância da tecnologia para promover cuidados virtuais aos pacientes, realizar consultas e até procedimentos cirúrgicos de forma remota e monitorar condições crônicas. A Geração Z, além de estar muito mais aberta a trabalhar com aplicativos de saúde, dispositivos médicos e soluções digitais, traz uma nova visão ao mercado, muito mais antenada com questões de extrema importância, como a sustentabilidade e as boas práticas de governança: segundo um levantamento da Global Student Outlook Report, 87% deles buscam uma contribuição positiva para a sociedade e o meio ambiente é uma parte importante de sua escolha de carreira. Além disso, 33,3% deles recusou uma oferta de emprego por entender que a empresa não estava alinhada com as exigências de ESG.
A nova geração de médicos terá papel fundamental para aprimorar práticas tradicionais ao adotar ferramentas disruptivas e promover a diversidade na profissão. Caminhamos para explorar todo o potencial que a tecnologia possui para melhorar a saúde e o bem-estar da sociedade, inovando sem esquecer o que é mais importante: o ser humano.
*Valter Lima é diretor executivo e empresário, sócio da CTC. Graduado em administração de empresas e pós-graduado pela Fundação Dom Cabral, também participou do Business Executive Program na Universidade de Stanford.