A presença da tecnologia na medicina deixou de ser tendência e passou a fazer parte da rotina de médicos e pacientes. Da telemedicina às cirurgias robóticas, os avanços digitais vêm modificando diagnósticos, tratamentos e a gestão de dados clínicos. No entanto, junto às oportunidades, surgem também dilemas importantes — como o desafio de preservar o vínculo humano entre médico e paciente.
Especialistas têm se reunido para debater como essas transformações influenciam a prática médica atual. A discussão vai além do uso de novas ferramentas, abordando também a importância de um sistema de saúde mais acessível, integrado e centrado nas pessoas.
A medicina do futuro
Para o médico húngaro Bertalan Meskó, conhecido como “O Futurista Médico”, pensar o futuro da saúde é comparável a planejar uma missão para Marte: é preciso desenvolver soluções capazes de manter a vida em condições extremas e, depois, aplicá-las à Terra. Ele defende que o sistema de saúde moderno deve ser acessível, personalizado, preventivo — e, paradoxalmente, mais humano do que nunca.
Segundo Meskó, a tecnologia não substitui o médico, mas pode tornar sua atuação mais eficiente, permitindo que o profissional dedique mais tempo ao paciente e menos às tarefas administrativas. Dessa forma, as inovações tecnológicas devem servir para fortalecer o cuidado humano, e não para afastá-lo.
O papel da tecnologia na prática clínica
A médica Mariana Perroni ressalta que a medicina sempre esteve ligada à tecnologia — desde o surgimento dos primeiros exames de imagem até a introdução de robôs cirúrgicos. Atualmente, o maior desafio não é a presença das ferramentas, mas a forma como elas são utilizadas. O objetivo deve ser melhorar a jornada do paciente, oferecendo soluções que humanizem o atendimento e facilitem o acesso à informação.
Ela destaca que mesmo sem a integração total dos sistemas digitais, os profissionais já podem usar recursos de inteligência artificial para traduzir diagnósticos complexos em explicações mais acessíveis, aproximando médico e paciente.
Desafios específicos no Brasil
No Brasil, a dimensão e a complexidade do sistema de saúde tornam o processo de transformação digital mais desafiador. A desigualdade na distribuição de profissionais e recursos é um obstáculo histórico. Para que a tecnologia seja eficaz, é preciso garantir que ela funcione de forma integrada, evitando retrabalho, duplicação de exames e falhas na comunicação entre unidades.
Uma pesquisa recente apontou que apenas 17% dos médicos brasileiros utilizam ferramentas de inteligência artificial em sua rotina — número maior na rede privada do que na pública. O uso mais comum ocorre em pesquisas e na elaboração de relatórios médicos, o que mostra que ainda há um longo caminho a percorrer.
Capacitação e ética digital
Outro dado relevante é que menos de um quarto dos profissionais de saúde participou de treinamentos voltados à tecnologia médica no último ano. As áreas mais buscadas nesses cursos foram segurança do paciente, ética e privacidade, além da qualidade dos dados. Essa lacuna de formação reforça a necessidade de preparar os profissionais para lidar com as novas ferramentas de forma segura e responsável.
Além da capacitação técnica, é fundamental desenvolver uma visão crítica sobre o uso da tecnologia em saúde, considerando questões éticas, legais e sociais que envolvem o acesso e o uso de informações médicas.
O protagonismo do paciente
A evolução tecnológica também impulsiona uma mudança no papel do paciente, que passa a ser protagonista das decisões sobre seu próprio tratamento. Essa participação ativa é essencial para a adesão e continuidade do cuidado. Os especialistas destacam que o futuro da medicina depende de uma relação mais colaborativa entre médicos e pacientes, em que a tecnologia sirva como ponte, não como barreira.
Equidade e políticas públicas
Para que os avanços tecnológicos tenham impacto real, é indispensável a criação de políticas públicas que garantam acesso igualitário a esses recursos. A tecnologia por si só não resolve os problemas estruturais da saúde. É preciso investir em infraestrutura, formação e governança digital para que as inovações cheguem a todas as regiões e camadas sociais.
Considerações finais
A transformação tecnológica na medicina representa uma oportunidade única de construir um sistema de saúde mais eficiente, preventivo e humano. No entanto, o sucesso desse processo depende de equilíbrio: inovação com empatia, automação com ética e avanço científico com compromisso social. A tecnologia deve ser vista como uma aliada do cuidado, capaz de aproximar pessoas e promover um futuro mais saudável e inclusivo.
Autor: Igor Blinov

